um olhar pela crise...

ao olhar, ainda que de forma superficial, para a crise que assola a europa sou obrigado a concluir que afinal as piores “premonições” - feitas no passado por este ou por aquele analista, por este ou por aquele observador mais ou menos dotado – estão quase todas elas a revelar-se verdadeiras e duramente reais.

se por um lado o que se passa no resto da europa me preocupa ligeiramente – e mesmo esta ligeireza no nível de preocupação apenas existe pelo facto de portugal estar na união europeia – já a situação portuguesa, essa sim, deixa-me muito preocupado. analisando os acontecimentos dos últimos dias não podemos deixar de olhar para trás, bem para trás, recuando até 1910 quando um grupo de homens e mulheres decidiram acabar com uma tradição com quase 8 séculos, a monarquia, e iniciar uma nove fase política e social, copiada, já aqui, por um sistema que já vigorava em alguns países europeus, a república.

inicia-se aqui o período mais negro da história de portugal: guerras, revoluções, ditaduras, descalabro financeiro e outros cataclismos mais ou menos naturais mas todos em nome dos mais “elementares valores democráticos”. por força da pouca capacidade dos políticos da 1ª república eis que surge a 2ª, por força das armas mas sufragada, posteriormente, por um povo que nunca gostou muito de se envolver nem tomar em mãos a responsabilidade de se governar, deixando isso mesmo nas mãos de uma ditadura que, para além de criado riqueza, segurança e prosperidade deixou também um rasto de iliteracia, desigualdades sociais, injustiça e atraso. contudo, renovam-se nestes 48 anos as tradições dos “brandos costumes” e da acomodação porque desde que não fizessem “ondas”, os portugueses levavam as suas vidinhas com vinho e pão na mesa, futebol ao fim-de-semana e para alimentar os espíritos sempre se podia recorrer a fátima e aos seus milagres.

curiosamente e em bom rigor é na fase final destes, demasiado e pouco modernos, 48 anos que surgem alguns dos planos de desenvolvimento que dotaram o país de medidas que se vieram a revelar determinantes para uma certa “segurança” e até mesmo viabilização do país: a criação da segurança social, a criação da rede hidroeléctrica nacional – que se estendeu ás antigas colónias estando todas elas ainda hoje em funcionamento – a criação de organismos destinados à ocupação dos tempos livres dos trabalhadores e da juventude, e principalmente à “saúde financeira” do estado.

contudo, anos antes, no período da 2ª guerra houve um momento – a que a história ainda não deu o justo destaque – em que o engenho lusitano teve um papel determinante dando, fugazmente, razão aos defensores dos quinto império: portugal, em concordância com os eternos aliados ingleses, mantêm-se neutros na guerra, mas mais importante ainda conseguem manter igualmente espanha fora do conflito, obrigando as forças do eixo a ficar longe da península e, por arrasto, das colónias portuguesas em áfrica, na ásia, na oceânia e no atlântico – sabe-se contudo que os espanhóis chegaram a elaborar um plano secreto para uma eventual invasão a portugal. de resto esta vitória da diplomacia portuguesa mereceu um curioso comentário do então responsável pelos negócios estrangeiros espanhol ao dizer ao seu congénere português que “este acordo não era aquilo que espanha desejava” ao que lhe foi dito “pois não, mas era aquilo que portugal desejava”. - esta posição permitiu que os aliados tivessem menos uma preocupação estratégica e também menos zonas sensíveis e passíveis de alargar o conflito criando novas, desgastantes e possivelmente irremediavelmente nefastas áreas de conflito. de resto a disponibilidade do plano marshal em atribuir verbas a portugal, apenas destinadas aos países europeus que estiveram envolvidos no conflito comprovam, mas que foram de imediato rejeitadas pelo governo português que havia conseguido grande desafogo financeiro nos anos da guerra, contrariamente aos países flagelados pelo conflito armado.

é neste período que portugal, perdeu a sua grande oportunidade de disparar como potência emergente no mundo: na fase negocial entre portugal e espanha que culminaria com a declaração de neutralidade dos países ibéricos, o governo português elabora um documento oficial onde declara que em caso de invasão estrangeira ás suas fronteiras, todos os territórios pluri-continentais passariam a ser geridos pelo brasil.

de resto, é nesse período, 1940, que se realiza em lisboa a exposição do mundo português tendo as autoridades lusas convidado o brasil a co-organizar o evento, mostrando ao mundo que as duas nações eram muito mais que isso, eram isso sim povos unidos por história, tradições e interesses comuns.

durante o conflito por duas vezes o governo brasileiro teve que se impor perante potências estrangeiras para defender a independência portuguesa: contra a itália de mussolini e os estados unidos de roosevelt…os italianos que prepararam um plano para invadir cabo verde e o sul de portugal, e os norte-americanos que pretendiam tomar posse dos açores para daí poderem lançar ataques sobre a europa ocupada… aos transalpinos ameaçaram os brasileiros mandar de regresso os milhões de italianos que por essa época já haviam chegado ao brasil e aos americanos o tom foi mais duro chegando mesmo o governo brasileiro a afirmar que um pé americano em território português seria considerado um ataque ao brasil e teria a resposta adequada. o resultado é por demais conhecido: a itália nunca atacou e os americanos viraram-se para a islândia.

finalizada a guerra, portugal deveria ter aproveitado “o balanço” iniciando logo ali uma revolução, ou seja, estabelecer uma plataforma política e económica ligando todos os territórios onde se falava português. o que é certo é que houve quem a tivesse tentado: marcelo caetano, na época um jovem académico, inicia um périplo por áfrica e propõe a salazar a auto-determinação de angola e moçambique - mantendo a ligação a portugal por força da manutenção da presidência portuguesa mas com governos locais e independentes - e um estatuto de autonomia para a guiné, cabo verde, s.tomé, açores e madeira. curiosamente o plano é “recusado” por força da posição assumida pelas chefias militares - alguns mais tarde viriam a outorgar para si posições semelhantes tendo mesmo surgido no 25 de abril em posição de destaque como o antigo presidente spínola – e é este o momento em que o sonho do quinto império, para aqueles que estão mais ligados a estas questões, ou o desejo que uma efectiva comunidade política e económica entre todos os povos que partilham a língua portuguesa se esfumou.

sempre defendi que portugal deveria ter promovido este tipo de “ligação” em vez da integração na união europeia já que acredito que o que nos liga aos restantes europeus é apenas e só a geografia. cultural e historicamente só quem nunca saiu do país e se integrou, verdadeiramente, nos países que falam português é que podem defender ligações culturais com os países da união à europa, ou então não defendem os interesses de Portugal e dos portugueses mas apenas e só os seus próprios interesses...

podem argumentar que foi graças aos subsídios comunitários que portugal se desenvolveu mas o preço está agora à vista de todos, podem argumentar que não havia saída naquela época, mas havia e todos sabemos, hoje, que sim. na época da assinatura do tratado de adesão, 12 de junho de 1985, eu tinha 22 anos e já nessa altura era frontalmente contra só que, então como agora, a nossa voz de pouco ou nada vale, pouco ou nada importa, apenas resta a consolação, triste por sinal, de que tinha razão, de que a presença de portugal na união europeia apenas serviu alguns interesses porque na realidade, na hora da verdade e na hora de fazer as contas, a factura fica sempre para os mesmos, para aqueles cuja voz não é escutada e a opinião não conta.

acredito que o pior ainda está para vir já que não vislumbro ponta de genialidade na mediocridade vigente nos políticos portugueses, nem visão estratégica e muito menos interesse por parte daqueles que têm em mãos os destinos do país. acho que a saída é uma e apenas uma: recuperar o tempo perdido e regressarmos às origens, olharmos para o brasil e para áfrica, para a ásia e a oceânia…só que agora de outra forma, de igual para igual, de olhos nos olhos e alma limpa, mas tem que ser já, tem que ser agora, tem que ser ontem e porquê? pela simples razão de outros estarem a ocupar o espaço que histórica e culturalmente deveria ser nosso mas que daqui a uns tempos irá deixar de ser.

com ou sem orçamento de estado - que pouco ou nada irá determinar o futuro mas apenas “desenrascar” o presente - é já tempo do tempo seguir em frente, com risco e custos mas com a certeza que o futuro será bem melhor, mas convenhamos que tudo isso, os riscos e os custos, já nós temos como certo, apenas não sabermos é se o futuro será melhor…

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